No que pode dar o evento político de Bolsonaro e Pazuello
General da ativa e ex-ministro da Saúde sobe sem máscara em carro de som no Rio, causando aglomeração junto com o presidente. Atitude do militar constrange Exército
O general da ativa Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, participou no domingo (23) de um ato político ao lado do presidente Jair Bolsonaro no Rio de Janeiro. O evento foi marcado por aglomeração de pessoas sem uso de máscara, contrariando regras sanitárias da pandemia que, até a data do evento, havia deixado mais de 449 mil mortos no Brasil.
A prefeitura do Rio de Janeiro estima que entre 10 mil e 15 mil pessoas tenham participado da manifestação, na qual Bolsonaro criticou as medidas restritivas adotadas por estados e municípios para conter a doença, tendo ao lado Pazuello e outros assessores e apoiadores, em cima de um carro de som. Todos estavam sem máscara.
A participação do ex-ministro ocorreu apenas três dias depois de seu depoimento na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Senado que investiga responsabilidades do governo na má gestão da pandemia.
No depoimento — que foi dividido em dois dias, 19 e 20 de maio —, Pazuello tinha dito que não se opunha às medidas sanitárias. Entretanto, no evento, ele infringiu essas mesmas medidas. A discrepância de comportamento foi vista como desafio e afronta à comissão, que decidirá na quarta-feira (26) se volta a chamá-lo para falar de novo.
Além disso, a participação de Pazuello no evento confronta o Estatuto dos Militares e o Regulamento Disciplinar do Exército, que proíbem que militares da ativa, como é o caso dele, participem de atos políticos.
Jornais brasileiros dizem, citando fontes anônimas da cúpula militar, que o general deve ser passado para a reserva, o que equivale à aposentadoria dos servidores civis. O Nexo questionou o Exército Brasileiro e o Ministério da Defesa a respeito, mas não recebeu resposta.
O vice-presidente Hamilton Mourão, general da reserva, disse nesta segunda-feira (24) que Pazuello “já entrou em contato com o comandante informando ali, colocando a cabeça dele no cutelo, entendendo que ele cometeu um erro”. Mourão defendeu que “se aplique a punição prevista para o caso” ou que Pazuello peça transferência para a reserva espontaneamente para “atenuar o problema”. A punição pode ir desde uma advertência até a prisão.
No Twitter, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz — que está na reserva e foi ministro chefe da Secretaria de Governo de Bolsonaro, antes de deixar o posto e se tornar desafeto de Bolsonaro — criticou Pazuello, sem citá-lo nominalmente:
“De soldado a general, têm que ser as mesmas regras e valores. O presidente e um militar da ativa mergulharem o Exército na política é irresponsável e perigoso. Desrespeitam a instituição. Um mau exemplo, que não pode ser seguido. Péssimo para o Brasil”
Discurso político contra a saúde e a ciência
Além de repetir mensagens que vão na contramão das medidas sanitárias, Bolsonaro também fez discurso político-eleitoral. Primeiro, ele sugeriu que Tarcísio Freitas, militar da reserva e ministro da Infraestrutura, pode ser lançado candidato ao governo do estado de São Paulo em 2022.
Freitas andou na garupa de uma moto dirigida por Bolsonaro no evento. A imagem estampou a edição eletrônica do jornal britânico “The Guardian”, que classificou o evento protagonizado pelo presidente brasileiro no Rio de Janeiro como “obsceno”.
Depois de falar sobre uma possível candidatura de Freitas, o presidente criticou Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo (2013-2017) que foi adversário de Bolsonaro no segundo turno da eleição presidencial de 2018. O presidente disse que o petista foi um “poste” do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva naquela disputa. A expressão “poste” designa um candidato apontado por um padrinho político, alguém sem luz própria.
Bolsonaro, que é capitão reformado, também voltou a usar a expressão “meu Exército” para se referir às Forças Armadas do Brasil e sugeriu que pode evocar o uso dos militares para se opôr à estratégia de lockdown — o tipo de suspensão mais radical das atividades sociais e de comércio — usada por estados e municípios e chancelada pelo Supremo Tribunal Federal. Ou seja, o presidente voltou a fazer ameaças de ruptura institucional.
“Meu Exército jamais irá às ruas para manter vocês dentro de casa (…) Nosso Exército são vocês. Mais importante do que os Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo, é o poder do povo brasileiro”
A manifestação governista foi marcada ainda por mais um ato de hostilidade contra a imprensa. Uma equipe da emissora de televisão CNN Brasil foi expulsa do evento por apoiadores do presidente. O repórter Pedro Duran teve de ser escoltado por policiais para escapar de manifestantes que gritavam, palavras como “lixo”, “bandido” e “comunista”. A emissora e entidades do setor deram declarações e emitiram notas repudiando o ocorrido.
Sob Bolsonaro, o Brasil atingiu, em 2021, a pior colocação de sua história no ranking de liberdade de imprensa elaborado pela ONG internacional Repórteres Sem Fronteiras, caindo quatro posições e passando a frequentar a “zona vermelha”, ao lado de países como Rússia, Afeganistão e Mianmar, onde o trabalho dos jornalistas é considerado “muito difícil”.
A participação de Pazuello pode ter duas consequências para o general da ativa, uma evolvendo a cúpula das Forças Armadas e outra envolvendo a CPI da Covid, cujos desdobramentos podem ter efeitos não apenas para o próprio general, mas também para Bolsonaro, cuja taxa de aprovação, de 24%, é a pior já registrada desde o início do mandato.
O constrangimento com as Forças Armadas
O Estatuto dos Militares (Lei 6.880/1980) diz em seu artigo 45 que “são proibidas quaisquer manifestações coletivas, tanto sobre atos de superiores quanto as de caráter reivindicatório ou político”.
Já o Regulamento Disciplinar do Exército (Decreto 4.346/2002) diz que é proibido ao militar da ativa “manifestar-se publicamente, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária”, assim como “autorizar, promover ou tomar parte em qualquer manifestação coletiva, seja de caráter reivindicatório ou político, seja de crítica ou de apoio a ato de superior hierárquico”.
A decisão de sancionar Pazuello cabe ao atual comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira. Porém, Bolsonaro é o comandante-em-chefe das Forças Armadas e, como tal, pode revogar medidas tomadas em qualquer instância militar. Tal embate, impensável em circunstâncias normais, tornou-se corrente num contexto em que o próprio presidente politiza o meio militar, estimulando a participação de Pazuello na manifestação e se referindo às Forças Armadas como se fossem propriedade sua.
Pazuello pode ser sancionado com o envio antecipado para a reserva, como é chamada a aposentadoria dos militares. No meio político, fala-se cada vez mais na possibilidade que ele queira lançar-se candidato ao governo do estado do Amazonas.
“O general Pazuello, ouvi dizer, pretende candidatar-se ao governo do Estado do Amazonas. Aparentemente, pode-se dizer que esteja usando a mesma estratégia do então capitão Bolsonaro. Talvez queira ser punido para ganhar mais notoriedade e manchetes de jornais e revistas”, disse ao jornal O Globo Paulo Chagas, general da reserva que é simpático a Bolsonaro, mas vem criticando o governo.
O constrangimento com o Senado
Ao participar do evento no Rio de Janeiro sem máscara, no meio de uma aglomeração, Pazuello, mostrou, mais uma vez, que mentiu na CPI da Covid no Senado.
Em seu depoimento, ele havia sido questionado sobre o fato de ter entrado num shopping de Manaus sem máscara, no dia 25 de abril. Aos senadores, Pazuello se justificou dizendo que não é contra o uso de máscara. A explicação do ex-ministro é de que ele estava sem a peça no rosto naquela ocasião por que tinha pisado inadvertidamente em sua máscara, no assoalho do próprio carro, ao deixar o carro no estacionamento. Pazuello disse que perguntou então ao segurança do shopping onde podia comprar uma máscaras e, ao se dirigir à loja correspondente, foi flagrado por uma pessoa que o fotografou num breve instante de descuido.
A explicação foi uma das muitas nas quais Pazuello tentou convencer os senadores de que não é um negacionista que se subleva contra as medidas sanitárias, como faz Bolsonaro. Porém, sua presença no carro de som, sem máscara, ao lado de Bolsonaro e de outros apoiadores do presidente, neste domingo (23), no Rio de Janeiro, jogou por terra o discurso.
“Eu gostaria que estivesse com a mesma coragem de hoje [dia 23 de maio, dia do protesto no Rio] na CPI. O general Eduardo Pazuello fez hoje uma escolha de ser o primeiro personagem declaradamente indiciado da CPI”
Em declaração ao jornal Folha de S.Paulo, no dia 24 de maior de 2021
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) disse que “se essa CPI não pedir o indiciamento do ex-ministro [Pazuello], ela não terá razão de existir”. De acordo com o presidente da CPI, o senador Omar Aziz (PSD-AM), o requerimento para convocar um novo depoimento de Pazuello à Comissão deve ser votado nesta quarta-feira (26). “Se Pazuello mentir de novo na CPI, sairá algemado”, disse Assis na manhã seguinte ao evento no Rio.
Na terça-feira (25), a CPI ouve o depoimento da secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, entusiasta do uso da cloroquina contra a covid, apelidada de “capitã cloroquina”. O ex-secretário-executivo do ministério, atualmente na Casa Civil, Élcio Franco, era esperado na quinta-feira (27), mas apresentou exame que atestou infecção pelo coronavírus no dia 3 de maio e pediu para adiar seu depoimento.
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