O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 24 – Abandone os mitos que desviam esforços da contenção do desmatamento
Por Philip Martin FearnsidePublicado em: 28/05/2021
Vários mitos tendem a desviar os esforços para controlar a perda florestal, levando em direções que não conseguem atingir esse objetivo ou que são contraproducentes. Uma é a ideia de que “manejo florestal sustentável” motivará a manutenção da floresta em longo prazo. É simplesmente presumido que aquilo que é chamado de “sustentável” é realmente sustentável (por exemplo, [1]). No entanto, contradições fundamentais resultam no comportamento dos gestores não ser sustentável, não importando quais sejem seus discursos ou promessas [2, 3]. Isso ocorre porque as árvores nas florestas tropicais crescem a taxas limitadas pela biologia e não têm relação com as taxas pelas quais o dinheiro pode ser ganho em investimentos alternativos.
Na prática, as árvores estão competindo com uma ampla gama de outros investimentos possíveis (incluindo projetos de manejo florestal de primeiro ciclo em outros lugares), e é mais lucrativo para o gerente explorar o recurso potencialmente renovável o mais rápido possível e investir os rendimentos em uma opção com um retorno mais rápido em outro lugar (por exemplo, [4, 5]).
O primeiro ciclo, que está em curso em praticamente todos os projetos de manejo florestal na Amazônia brasileira, é inerentemente mais lucrativo do que os ciclos subsequentes porque estão lá, podendo ser simplesmente colhidas, as grandes árvores da floresta que crescerem durante séculos sem nenhum custo para o dono do projeto de manejo, mas a situação mudará quando chegar a um equilíbrio futuro onde o gestor só puderá colher o que cresceu enquanto a área de manejo estiver sendo defendida e mantida. Além disso, com base na biologia populacional das árvores, é improvável que as regras atuais para projetos de manejo no Brasil mantenham a floresta indefinidamente, mesmo se seguidas como teoricamente previsto [6].
Além disso, o ciclo teórico de 30 anos em florestas de terra firme tem sido subvertido pela inclusão de lacunas que implicam em uma probabilidade praticamente zero de continuação após o primeiro ciclo. Um exemplo é fornecido por um projeto no Acre gerenciando 12.000 ha [7]. Em vez de dividir a área em 30 parcelas, uma para ser colhida a cada ano do ciclo, o gestor obteve permissão para colher toda a área em apenas seis anos.
Teoricamente, a terra ficaria sem uso durante 24 anos antes de iniciar um segundo ciclo. As chances de que isso aconteça são obviamente mínimas, e ainda menores visto que a área foi posteriormente vendida para um projeto de assentamento. As chances são ainda menores no caso de pequenos projetos de manejo (até 100 ha sobre manejo) no Estado do Amazonas, que permitem que toda a área seja colhida no primeiro ano, teoricamente seguido de uma espera de 29 anos para outro ciclo.
Outro mito que desvia os esforços para conter o desmatamento é a noção de que a intensificação da agricultura e da pecuária fará com que os atores parem de desmatar. Existem boas razões para a intensificação, mas evitar desmatamento por meio de “economia de terras” (“land sparing” na literatura internacional) não é uma delas. Os subsídios e as vantagens mercadológicas que podem ser extraídas desse discurso representam atrativos para endossar esse caminho, mas vai contra a lógica econômica.
A ideia de que as ambições das pessoas são limitadas por um efeito de “estômago cheio”, onde se para de expandir a produção quando os requisitos mínimos estejam atendidos, não se aplica a indivíduos que estão integrados às economias modernas, como quase todos os atores do desmatamento amazônico. A preservação de terras por meio da intensificação tem sido proposta por uma série de autores [8-10], mas as perspectivas dessa estratégia ter o resultado ambiental desejado são baixas [11]. Infelizmente, não há evidências de que a resposta a um aumento de produtividade seria a restauração da floresta.
Se o pasto produzisse mais, os pecuaristas simplesmente exportariam esse excedente – não manteriam constante a produção total de suas propriedades por meio de reduzir suas áreas de pasto. Na verdade, uma vez que as pastagens mais produtivas seriam, presumivelmente, mais lucrativas do que as atuais, a tendência seria fazer exatamente o oposto – expandir a área de pastagem por meio de mais desmatamento [12, 13]. A área de pastagem no Brasil não é restringida por um desejo limitado dos fazendeiros de ganhar mais dinheiro, nem pelos mercados globais de carne bovina.
Outro desvio de esforços para conter o desmatamento amazônico é o investimento em subsidiar a recuperação de áreas degradadas, ou seja, restaurar a cobertura arbórea de áreas não produtivas já desmatadas. Isso não deveria ser uma prioridade hoje porque, nas condições atuais na Amazônia, é muito mais caro recuperar um hectare de floresta do que evitar um hectare de desmatamento, enquanto os benefícios em termos de carbono e biodiversidade são muito menores [3].
Limites severos restringem a recuperação de terras degradadas por meio de usos sustentáveis como sistemas agroflorestais [14]. Um é a diferença de escala entre a extensão das pastagens degradadas na Amazônia e a capacidade dos mercados e fontes de insumos para apoiar sistemas agroflorestais. Outra é a lógica do ponto de vista de um agricultor que toma decisões sobre a implantação desses sistemas: se um hectare for plantado em uma pastagem degradada, produzirá muito pouco em comparação com o que produziria se outro hectare de floresta fosse derrubado e plantado. [15]