21 de novembro de 2024

Os desafios do Ministério Público para garantir os direitos do consumidor

“É necessário existir a consciência, a atitude de reclamar, e não só esperar a atuação dos órgãos”, afirma defensor

O Ministério Público (MP) é um dos principais aliados da sociedade quando se trata de prevenir, proteger ou garantir seus direitos nas relações de consumo.  É o que define o defensor público Homero Lupo Medeiros, chefe do Núcleo Institucional de Promoção e dos Direitos do Consumidor e Demais Matérias Cíveis Residuais (Nuccon).

Para ele, é fundamental que a população tenha consciência e clareza sobre o papel do MP e procure estar sempre bem informada quanto aos cuidados que deve tomar toda vez que for comprar, desembolsar recursos, celebrar contratos ou fazer qualquer tipo de compromisso financeiro. E numa época sob o impacto da pandemia da Covid-19, tais cuidados exigem ainda maior atenção.

Nesta entrevista ao portal “A Base”, entre outras questões Homero Medeiros aborda os desafios do consumidor em custos com as mensalidades escolares, transporte dos alunos, abastecimento de água e sistemas de crédito bancário, além de destacar os avanços do Núcleo em 2020 e as perspectivas para este ano.

A BASE -Porque é tão raro condenar empresas que violam as leis que regulam o consumo, mesmo recorrentes, como as operadoras de telefonia e concessionárias de serviços básicos?

A BASE – A Defensoria e o Núcleo do Consumidor só entram em cena quando provocados ou dispõem de outros meios para conscientizar ou estreitar as relações com a sociedade?

A BASE – Qual o saldo e quais os principais avanços que a Defensoria Pública do Consumidor trouxe de 2020 para este ano?

HOMERO MEDEIROS – O Nuccon (na Rua Antônio Maria Coelho, 1668, Centro) é um serviço da Defensoria para o consumidor. Tem atuação estadual e abrange tanto a defesa do consumidor como as demais matérias cíveis residuais, de usucapião e moradia a contratos de locação e outros assuntos. No período de pandemia o atendimento é por meio do site da Defensoria. Basta acessá-lo e fazer a solicitação que a pessoa terá o atendimento remoto, sem qualquer prejuízo da sua defesa jurídica. Em 2020, o Núcleo ficou muito preocupado com os efeitos da pandemia. Atuamos na questão das mensalidades escolares, seja na construção de acordos com as escolas, seja para beneficiar os pais. E nos preocupamos com a situação das pequenas escolas dos bairros, para que elas não fechem suas portas. Foi firmado um grande acordo em parceria entre o Ministério Público, o Procon (municipal e estadual), praticamente todas as escolas da Capital e a grande maioria das escolas do Estado.

A BASE – O problema do transporte ficou bem atendido nessa emergência?

HOMERO MEDEIROS – Ajustamos medidas com os sindicatos dos transportadores particulares, cujas vans levam crianças para as escolas. Aas aulas presenciais foram suspensas, as crianças não foram mais transportadas. Formalizamos um acordo em favor dos pais, para que no período ou eles rescindissem o contrato ou recebessem um desconto pela não realização do transporte. Outra medida foi em relação aos bancos. Ingressamos com ação coletiva para que prorrogassem os empréstimos, consignados ou não. Em sede de recurso em parceria com o MP conseguimos a liminar, em vigor, que obriga as instituições a prorrogar esses empréstimos por 60 dias.

A BASE – Como ficam este ano o atendimento remoto e a presença do Núcleo junto aos consumidores?

HOMERO MEDEIROS – Com a pandemia, ainda continua o atendimento remoto. Mas pretendemos avançar nas demandas coletivas.  Elas são mais eficientes, atendem toda a comunidade. Não é preciso que o consumidor procure a defensoria. Este é um ponto muito importante. Temos a atuação individual, quando a pessoa procura resolver seu caso particular, na defensoria pública, nesse caso precisamos da provocação do consumidor. De outro lado, temos a atuação coletiva, e essa não depende necessariamente de uma provocação de um consumidor ou de outro terceiro. A defensoria pública pode agir de ofício ao se deparar com alguma ilegalidade ou prática abusiva dos fornecedores em geral, instaurar um procedimento de apuração coletiva e aí verificar se há o caso de ajuizar ação ou adotar outras medidas que a lei prevê.

A BASE – E a questão do abastecimento de água?

HOMERO MEDEIROS – O Nuccon iniciou em 2020 a apuração do problema, que se verifica sobretudo nos períodos de estiagem. Ano passado, em setembro, outubro e novembro recebemos reclamações sobre a falta de água nos bairros. Instauramos o procedimento e estamos aferindo junto ao município e à concessionária se os investimentos estão sendo adequados para atender a população. O serviço é pago e é caro, então deve ser prestado de forma adequada e contínua, não podendo sofrer interrupções. As estiagens são previstas pelos fatores meteorológicos. A concessionária tem plenas condições de antecipar esses eventos e melhorar a infraestrutura.

A BASE – Houve também uma demanda sobre consórcios…

HOMERO MEDEIROS – …é outra medida, em relação ao Multimarcas, que comercializa consórcios. O problema é na forma de comercialização. Indaga-se porque as grandes empresas não são sancionadas adequadamente na seara da defesa do consumidor. Acreditamos que é possível e lutamos para que isso possa acontecer. O exemplo da Multimarcas é um deles. Nós ingressamos com ação contra essa empresa que patrocina, inclusive, clubes de futebol. E conseguimos a liminar para que seja aplicada multa por cada vez que o consumidor é enganado sobre data e entre para ser contemplado em contrato para aquisição de imóvel, veículos ou até mesmo eletrodomésticos. Contrato de consórcio não tem previsão certa, é por lance ou sorteio. Não há como precisar a contemplação do contrato. Os representantes da empresa estavam oferecendo promessa de contemplar o contrato num prazo muito rápido e isso não acontecia.  A liminar acabou com isso, inclusive mudando a publicidade da empresa no seu site e nas redes sociais, frisando que a contemplação é somente pelos mecanismos legais de lance e sorteio.

A BASE – A estrutura técnica e operacional do Núcleo é compatível com as necessidades ou falta mais investimentos?

HOMERO MEDEIROS – Na infraestrutura da Defensoria Pública temos um núcleo com atuação estadual na esfera coletiva. Em Campo Grande são 20 órgãos de atuação. É muito grande a população no Estado. A estrutura não é a ideal, porém a defensoria pública está sempre presente em todos os municípios. No núcleo da Capital buscamos atender todas as pessoas. Quem procura atendimento não precisa esperar mais que cinco dias, o atendimento é nesse prazo. Quem passa pelo núcleo na Capital constata o quanto a defensoria melhorou. Antigamente estávamos situados numa unidade dentro do Fórum, era um tumulto, um aperto para os assistidos. Hoje, os prédios já são pensados na comodidade e na dignidade dos assistidos, as recepções têm vários espaços, banheiros, bebedouros e o que é preciso para que a população espere pelo seu atendimento de forma digna e justa.

A BASE – As operadoras de telecomunicações são alvos constantes de queixas.

HOMERO MEDEIROS – As telefônicas estão entre os grandes fornecedores. Não é que seja difícil condená-las. Tudo passa pela questão probatória. O consumidor, em geral, precisa ativar a capacidade de indignação. Mas o que falta são provas. É o caso do consumidor lesado com cobrança indevida. Às vezes, se é baixo o valor da cobrança, ele deixa de reclamar, acha que vai perder tempo ou dia de trabalho, que não vale a pena. Então, aqui vai uma sugestão: há uma ferramenta na Internet, o endereço www.consumidor.gov.br. Foi instituída pelo Ministério da Justiça. Com seu celular e da sua casa a pessoa faz a reclamação diretamente ao fornecedor, que por sua vez tem prazo de 10 dias para responder. E esta resposta ainda pode ser avaliada pelo consumidor. Esse processo compõe um rol estatístico fundamental para atuarmos com força coletiva e aplicar as sanções. É necessário existir a consciência, a atitude de reclamar, e não só esperar a atuação dos órgãos. Muitas vezes a gente quer atuar, mas falta o substrato, aquela reclamação, aquela prova de que na fatura específica estão cobrando serviço ou seguro indevido. Então a gente precisa que a população tenha esse despertar para as reclamações desses casos concretos.

A BASE – Tarifa de transporte coletivo continua sendo um campo desafiador?

HOMERO MEDEIROS – É realmente um ponto muito polêmico, não só em campo Grande. Todo o país sofre com o déficit de qualidade de serviços prestados. Em Campo Grande temos o Consórcio Guaicurus que é titular da concessão. É um serviço concedido, com custo relativamente alto para o consumidor, principalmente quanto à população de menor poder aquisitivo.

A BASE – Em resumo: mesmo com a defesa institucional pronta para agir, a sociedade ainda precisa fazer a sua parte?

HOMERMO MEDEIROS – É essencial ter a consciência de que as falhas precisam ser reclamadas aos núcleos de defesa ao consumidor, ao MP, ao Procon. É essencial que a sociedade tenha essa consciência. No início da gestão de defesa do consumidor buscamos esse modelo de atuação articulada. Participamos de iniciativas como a audiência pública na Câmara Municipal para debater a questão da qualidade no serviço do transporte coletivo, questões como a falta de pontos de ônibus adequados com abrigo para a população. Infelizmente, a pandemia acabou atropelando a frente de trabalho do defensor e do próprio Ministério Público e do Procon. A doença realmente dificultou, porque as prioridades mudaram. Contudo, logo que a pandemia estiver sob controle creio devemos retomar esta e outras discussões de interesse direto da comunidade em suas relações gerais de consumo.

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